quinta-feira, 11 de junho de 2009

O outro em nós

O poeta Rainer Maria Rilke nos diz que a alma do outro é uma floresta escura. Chegaremos à conclusão do tamanho dessa verdade se pensarmos nas relações humanas mais estreitas, inclusive entre familiares e ditos afins. Filhos e seus pais, irmãos entre si, amigos e amigas, amados e amantes, pessoas que convivem sucessivas décadas dividindo emoções, aproximando-se a cada alegria e dissabor que compartilham, reunidos em torno das mesmas idéias e unidos pelos mesmos ideais, não raro descobrem o outro lado uma da outra, o além máscara, o ser oculto, o imo que todos nós trazemos no mais recôndito do nosso ser, por vezes tão absconso que nós mesmos nos demoramos a lho admitir quando, num inopino, resolve vir à luz.

Então, quando “ele”, esse desconhecido, não suporta mais o seu "habitat" natural, de chofre nos impõe com ele conviver, quer de nós mesmos emerso, quer sobrevindo d`um recanto escamoteado do outro. Se de nós, a dor, de tanto que dói, mascara-se sob a tez da autocomiseração e nos põe como vítimas imoladas ao deus em que convertemos o outro; se deste, buscamos o esconderijo seguro do subconsciente ou da apatia no intuito incônscio de escapar àquilo que tão profundamente feriu o nosso ego.

Deixamos, por sucessivas vezes e muitas vezes a vida toda, de reconhecê-lo e exercer o controle que nos permitiria a aceitação e o domínio sobre essa realidade tão particular.

Urge ao menos que se atente e reflita, então, sobre a comunicação que há por trás de cada palavra, cada ato – nosso e do outro – para que se evite o enorme sofrimento que advém dos mal-entendidos.

Sentimentos transitam entre esses inúmeros “eus” interrelacionados, ora em harmonia, ora em conflito.Generosidade, afeto, cuidados, atenção, desejo de vida em comum, de partilhar.

A vontade de fazer e ser um bem e de obter do outro o que para nós é bom, contrapondo-se ao respeito ao espaço do outro, forma um campo de batalha, um caminho eivado de armadilhas. Nosso maior tesouro é o que temos mergulhado no inconsciente e isto constitui também um insidioso perigo. Assim, deve-se buscar torná-lo vida prática, condição sem a qual não poderemos vivenciar o estado de felicidade, que sempre implicará no entendimento e aceitação de outrem.

Pensar sobre a verdadeira comunicação nos relacionamentos significa pensar no silencio: a palavra que ficou presa na garganta e perdeu a hora de falar; o silêncio que caiu e não se levantou no momento certo. O certo é que, cedo ou tarde a cobrança virá: Por que você silenciou quando era pra falar? Por que falou ao invés de se calar?

Relacionar-se pode ser uma aventura das mais gratificantes. Fonte de alegria, também é risco de desgosto. Confronto de personalidades, diálogo de neuroses; esgrimir de egos, galgar de sonhos. Manipulação disfarçada de delicadeza, de carinho, de necessidade. Viagem difícil, mas sem ela a existência é um deserto sem oásis.

Partilhar o tempo com quem vale a pena é enriquecê-lo. Com quem não vale, é suicídio emocional, é desperdício de vida. O mais difícil reside em saber quem vale a pena. Entre romper e ficar residem o conflito e o medo do erro, do fazer sofrer e fracassar, que muitas vezes aporta nas vias do inconsciente, do não admitido, pelo tanto que implica em dor.

Somos todos aflitos e frágeis, somos todos pobres humanos, seguindo passos entre si enredados, fechados uns para os outros por laços inconscientes. Cabe a cada um o autoexame que ditará o futuro.

De uma forma ou de outra, com boa vontade, a alma do outro pode vir a ser uma doce fonte de alegrias. Incumbe a cada um ter coragem de nela beber, ainda que sem taças ou copos, ainda que pegando o líquido na palma da mão...

6 comentários:

Érik Diniz disse...

Por isso que admiro muito essa mulher. Além de conhecer o poeta Rainer Maria Rilke, ela praticamente conhece todos os vernáculos do dicionário Aurélio. Foram usados somente no primeiro parágrafo do post 3 sinônimos para um mesmo sentido (IMO, RECONDITO e ABSCONSO).
Fiz uma pesquisa superficial sobre o Rainer e aprendi que seus poemas provocavam reflexões "existencialistas". MJ, vc ainda se pega pensando em questões tipo: Quem somos? o que fazemos? para onde vamos? quem nos move? E questões que Nietzsche se fez muito como: Se existe Deus pq sofremos?Se não existe pq não se suicidar e encurtar o sofrimento? Não seria melhor viver a vida como se tivesse que vivê-la novamente eternamente?

Beijos

MJCorrea disse...

Gentil como sempre, Érik.
Minhas inquietações estão mais afetas ao mundo prático. Deixo essas grandes indagações a cargo de filósofos,como você e Nietzsche.
Vou atentar quanto à sinonímia. Obrigada pelo plá.
Grande abraço.

Érik Diniz disse...

O que é plá?

Érik Diniz disse...

Me esqueci de fazer outro comentário!
Esse post é muito profundo e reflexivo

Bianca disse...

"Viagem difícil, mas sem ela a existência é um deserto sem oásis. ..."
Caramba tia, estou sem palavras, até imaginei que fosse mais um daqueles blogs "sem conteúdo" (preconceito), mas minha cabeça 'tá' saindo fumacinha! ;)
Vindo da sra, para mim não é surpresa, a partir de agora passarei a ganhar momentos de reflexão!

MJCorrea disse...

Linda Bia.Iluminada como és, a vita sempre te sorrirá. Será bem vinda sempre. Obrigada pelo estímulo.
Grande abraço.